O negro na universidade e o debate além das cotas

Se no ensino superior o preconceito é oculto em alguns casos, o que fica evidente é a pouca presença de afrodescendentes nas universidades. A ausência de disciplinas acerca das relações étnico raciais também preocupa professores e estudantes

Não são apenas as bananas jogadas nos campos de futebol que escancaram os casos mais recentes de racismo. Em muitos países, em diversos espaços sociais, situações racistas de forma corriqueira magoam e humilham muitas pessoas, sejam elas famosas ou não. A discriminação também é presente na universidade. Entretanto, o preconceito não deve ser usado como justificativa para que um negro não tenha sucesso no ensino superior, mesmo pesquisas revelando que os negros estão em menor número nas faculdades ou ocupam os empregos com menores salários.

Negro, filho de um pedreiro, morador de uma localidade humilde na cidade de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife. Fabiano Ferreira, de 25 anos, não depositou no preconceito o motivo pelo insucesso na sua formação escolar e acadêmica. Depois de terminar o ensino médio em escolas públicas, a participação de Fabiano em cursos pré-vestibulares gratuitos rendeu uma aprovação em ciências biológicas. Tratava-se de uma estratégia para o rapaz ingressar no tão sonhado e concorrido curso de medicina. Como professor de biologia, ele conseguiu trabalhar para se manter e dar continuidade a sua preparação para o vestibular.

Com 22 anos, o rapaz se formou em ciências biológicas e deu seguimento a sua carreira como professor. Sobre questões de racismo, Fabiano diz que não sofreu preconceito. Porém, foi em 2012, quando ele voltou a se dedicar com mais afinco a cursos pré-vestibulares, que ele percebeu, graças a um amigo, que a grande maioria das pessoas que tentavam passar em medicina era de brancos. "Voltei a fazer isoladas com a cabeça diferente, porque antes eu não tinha notado que existiam poucas pessoas negras querendo fazer medicina. Notei que só tinha eu de negro na minha sala. Fiquei com isso na cabeça, porque meu amigo sempre teve muito complexo com preconceito", explica.

O Ministério da Educação (MEC) deixa clara a ausência de negros nas universidades. Dados do Censo da Educação Superior 2012 mostram que, dos mais de 7 milhões de estudantes matriculados, somente 187.576 são negros.

Contra as dificuldades da vida e da própria concorrência dos vestibulares de medicina, Fabiano conseguiu ingressar no curso em 2013, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Apesar de não se considerar como um exemplo para outros negros, e sim se denominar como uma exceção, Fabiano acredita que o preconceito pelo fato de ser negro é mais implícito porque ele é aluno de medicina. "Isso é fato. A questão da medicina ajuda. As pessoas me enxergam diferente porque faço medicina", explica.

Para a coordenadora estadual do Movimento Negro Unificado (MNU) em Pernambuco, Marta Almeida, as instituições de ensino superior pecam em não discutir o "negro" na sociedade e as questões étnico raciais. Para ela, as universidades também erram em não trabalhar disciplinas e assuntos da história negra. "Existe um gargalo na universidade. Ela não tem uma função social resolvida. A gente não quer só que o negro entre na universidade, mas também que a turma entre e se forme. A gente quer ensino, pesquisa e extensão. Falta os próprios professores debaterem as questões raciais. A gente não vê disciplinas que contam nossa história (negros)", desabafa.

Marta também critica os próprios estudantes. Mais precisamente os integrantes de diretórios acadêmicos. "Os diretórios, em tempo de eleição, deixam claro que combatem o racismo em suas publicidades acadêmicas. Porém, quando estão atuando, a gente não encontra debates étnicos raciais. Não existe uma agenda sobre o tema na universidade", complementa.

Raça como disciplina

Nas escolas brasileiras, em séries de níveis fundamental e médio, já existe uma lei que determina o ensino obrigatório da História e Cultura Afro-Brasileira. Recentemente, a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em respeito Lei n° 11.645/08 (que altera a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003), se tornou a primeira universidade federal pública a estabelecer como componente curricular a disciplina de Relações Étnico Raciais.

De fato, a inserção da disciplina como obrigação em cursos de licenciatura pode ser um avanço. O MEC, por exemplo, dá autonomia as instituições de ensino superior para montarem suas grades curriculares e essa falta de obrigatoriedade pode ser uma das razões de existirem poucas disciplinas étnico raciais. O Ministério não tem um levantamento de quantas unidades de ensino têm disciplinas de questões raciais.

Para o professor responsável pela cadeira de Relações Étnicos Raciais da UFRPE, José Nilton de Almeida, o ideal seria que não existissem disciplinas ligadas a questões raciais. "Seria muito bom se esse mecanismo já existisse na formação dos profissionais", comenta. Essa mesma ideia do professor, que também é pós-doutorado em antropologia social, abrange as ações afirmativas, como cotas e programas sociais.

"Esses mecanismos só existem para fazer correções políticas por causa da discriminação e do preconceito que os negros sofrem ao longo da história. O importante é que essas ações afirmativas um dia cheguem ao fim. Se elas continuarem existindo, é sinal de que muita coisa ainda está errada", explica o docente.

Apesar dessa ideia, José Nilton, até por ministrar a disciplina de Relações étnicos Raciais, deixa claro que no atual contexto das universidades brasileiras, é extremamente importante trabalhar esse tema nas salas de aula. "Essas disciplinas tanto recuperam o reconhecimento de como as questões raciais são importantes, como também ajudam a formar profissionais", destaca.

Cotas - Em 2012, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei de Cotas. Até 2016, universidades e institutos federais devem reservar metade das vagas oferecidas a quem estudou todo o ensino médio em escolas públicas, negros, pardos e índios. Também é beneficiado quem, desse grupo, tem renda familiar per capita que 1,5 salário. O sistema de cotas gera debates. Confira "as diversas faces da Lei de Cotas".

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