Fazer sexo por dinheiro ou acompanhar clientes em eventos sociais não são as únicas situações que resumem as vidas das garotas de programa. Muitas delas cursam uma graduação e até pensam em mudar de vida. Conheça a história da profissional do sexo Rayane, que conseguiu se formar em meio ao preconceito e a dura rotina dos programas
O caminho que nos leva a discutir a diversidade social não é livre de barreiras. O leque de assuntos é bastante amplo e permeia vários segmentos da sociedade, deixando complexo qualquer tipo de debate. Diante dessa "diversidade de casos" sobre diversidade, é necessário fazer um recorte sobre o que queremos discutir. O "Unidiversidade" é um destes recortes e aborda como estudantes vivem em um ensino superior que ainda está bem longe de ser igualitário e sem preconceito. Porém, o mais importante é que há provas de que barreiras podem ser superadas por qualquer um. Exemplos não faltam. São muitas as histórias de superação e de início vale conferir o universo das garotas de programa que também são universitárias.
A noite pinta o céu de escuro e a lua dá o brilho do cenário. É mais um final de expediente e das repartições públicas e empresas privadas começam a sair homens que querem ir para casa e curtir suas famílias. Outros querem prazer e sexo. À espera desses estão garotas de programa. Uma delas é Aninha, de 20 anos. Natural do Rio de Janeiro, há mais de um ano ela vive no Recife e se sustenta como profissional do sexo. Prazer pelo que faz e orgulho ela tem, ao mesmo tempo em que pensa mudar de vida. E, é na educação que a jovem vislumbra uma saída para uma nova história.
"As portas se fecharam pra mim e por isso tive que virar 'garota' pra ganhar dinheiro. Antes eu não pensava em estudar. Hoje sei que estudo é tudo. Se eu tivesse tempo, tentaria passar no vestibular de direito. Meu sonho é ser advogada", conta Aninha, em uma via localizada no Bairro de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife. Ela terminou o ensino médio, feito de destaque em relação às outras meninas que ficam expostas para os clientes nas ruas ou em beiras de estradas, já que muitas delas têm baixa escolaridade.
Um nível maior de escolaridade é notado entre as "meninas de luxo", ou, como muitas preferem ser chamadas, as acompanhantes. Nas publicidades de jornais ou nos sites, o status de universitária agrega valor às garotas e chama a atenção dos clientes. Além do sexo, o público escolhe as meninas para que elas desfilem em eventos sociais. Isso se justifica porque muitos consideram as estudantes de graduação como mais esclarecidas e inteligentes, capazes de falar bem em público ou discutir temas relevantes.
Muitas delas conseguem bancar os cursos universitários com o que ganham nos programas e até pensam em um dia deixar os clientes e se dedicarem exclusivamente às graduações. Nas instituições de ensino superior, as profissionais do sexo, na grande maioria das vezes, não revelam o que fazem. Porém, a curiosidade toma conta dos colegas de classe. "Lá na faculdade tem uma menina que eu tenho certeza que é garota de programa. Todo mundo fala. Só que eu nunca tive coragem de perguntar. Mas, garanto que existem muitas", relata uma estudante de direito, que não quis revelar o nome.
Nem a desconfiança dos outros estudantes e muito menos o preconceito foram páreo para Rayane, 25. Por problemas financeiros, ela começou a fazer programas, porém, não deixou de lado sua formação. "Eu trabalhava numa empresa de Back Office. Precisava então de um curso superior. Resolvi fazer administração e recursos humanos. De 2005 a 2008, tive seis promoções na empresa. Sempre fui uma boa funcionária", conta a jovem.
Conseguir administrar o tempo era uma tarefa difícil. O cansaço pelas noites de sexo e pelo cotidiano da universidade chegou a atrapalhar Rayane quando ela tinha que fazer as atividades dos cursos. A moça afirma que os alunos e professores não desconfiavam que ela era garota de programa, entretanto, foi em um curso pré-vestibular que ela se sentiu vítima do preconceito. "Resolvi fazer um cursinho pré-vestibular e quando cheguei lá encontrei um cliente. Ele me chamou e pediu que eu não falasse com ele e que nunca revelasse nossos encontros. Depois disso, nunca mais eu vi esse rapaz. Acho que ele ficou com vergonha", relata.
Segundo a coordenadora geral da Associação Pernambucana das Profissionais do Sexo (APPS), Nanci Feijó, a maioria das garotas de programa que são universitárias não se assume como prostitutas ou profissionais do sexo. De acordo com Nanci, elas costumam dizer que são "acompanhantes de executivos". "Em 2010, a Associação fez um levantamento no Recife e praticamente nenhuma menina que faz curso superior se assumiu como prostituta. Na minha opinião, quando junta num balaio (sic), é tudo a mesma coisa", opina. De acordo com o levantamento feito pela APPS em 2010, o Recife tem cerca de 220 profissionais do sexo. Das mulheres abordadas no estudo, apenas duas têm graduação.
Para uma garota de programa que atua no Recife - a entrevistada não quis revelar sua identidade - e anuncia seu serviço em um site de acompanhantes, muitas pessoas acham que o grande objetivo das meninas é ter bens, como carros e roupas de grife. Porém, a jovem, que também é estudante de direito, acredita que muitas garotas têm como prioridade pagar seus estudos e trilhar caminhos diferentes da prostituição. O valor médio dos programas das acompanhantes é de R$ 400.
Todos os direitos reservados expediente