O depoimento do estudante de dança Edson Vogue descreve como os homossexuais sofrem com o desrespeito dentro da universidade e nos diversos setores da sociedade. No ensino superior, cursos são discriminados por causa de uma presença maior de gays
"Meu filho, minha filha, homo, gay, do armário ou sei lá que tu es; Eu já estou começando a odiar estes fresquinhos tipo galinha choca... Não dá mais para suporta tanta frescura. Você é homo, tudo bem, mas precisa ficar jogando pena pra todo lado? Atrapalhando palestras dos outros, chamando a atenção no transito? Pega teu namorado, vai para a PQP e deixa os Heteros viverem. Daqui a pouco o pessoal do armário, que vive defendendo todo tipo de coca-fanta vai querer que nós, heteros, não saímos de casa. Estamos sendo minoria. Tenho ódio de homo galinha". Essa é uma das postagens que o professor universitário Ademir Ferraz, de 62 anos, fez uma sua página no Facebook, em janeiro deste ano. O docente da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) foi acusado de ser homofóbico e o fato ganhou repercussão não só nas mídias sociais, mas também nos grandes veículos de comunicação do Estado.
O caso traz uma discussão do que pode ser preconceito contra homossexuais no ensino superior. Pelo menos no senso comum, a universidade seria um lugar onde a diversidade deveria ser respeitada pelos estudantes e professores. No sentido contrário, as declarações do professor Ademir abriram um cenário de discussão sobre o que acontece com os gays nas salas de aulas e nos corredores das instituições de ensino, e se heterossexuais também podem ser prejudicados de alguma forma. Na época, o docente negou ser homofóbico, entretanto, falou em ódio. "Ter ódio não é crime. Crime é o que você faz com o ódio", disse o professor em entrevista ao LeiaJá.
Em resposta a algumas postagens de Ademir, um estudante disse o seguinte, também no Facebook: "Nossa que postagem preconceituosa. Entendo que cada um tem o direito de se expressar, porém agredir outra pessoa verbalmente em público é uma falta de educação ainda mais advinda de um professor, cujo o lema é educar". Mesmo não sendo aluno de Ademir, o estudante de dança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Edson Flávio Guilherme de Lima, 23, também achou que as postagens foram preconceituosas e homofóbicas. O jovem já sentiu na pele como é ser discriminado na universidade e carrega histórias de desrespeito desde criança.
Passei de pobre pra macaco e agora eu sou veado
De acordo com Edson - que gosta de ser chamado pelo seu nome artístico, Edson Vogue -, o preconceito contra ele começou ainda na escola. Por ser de família humilde, ele era destratado pelas outras crianças. Depois, pelo ensino médio, a cor negra da pele era o motivo do desrespeito. Na universidade, além do curso de dança ser tachado por muitos como uma "graduação de gay", Edson diz ter sofrido situações homofóbicas, partindo de alunos e funcionários. "O preconceito contra mim foi evoluindo. Passei de pobre pra macaco e agora sou veado", conta, com olhar de tristeza.
Na sua turma, grande parte da sala não tem problemas pelo fato de ele ser gay e até alunos de outras graduações o respeitam. Sobretudo, ele acredita que essa aceitação parte do estilo do curso de dança - que segundo ele tem muitos gays - e de outras graduações próximas ao departamento onde ele estuda, como letras e teatro. "O preconceito depende muito do curso. Por essa área (Centro de Artes e Comunicação - CAC) é mais tranquilo. Talvez em cursos como medicina e direito o desrespeito seja bem maior", comenta. "Meu namorado, por exemplo, faz direito e tem que ficar bem sério no trabalho. Quando ele vem para as minhas aulas de dança, ele fica bem mais a vontade e feliz", finaliza.
Já para o também aluno de dança, Michel Lacerda, de 28 anos, o preconceito é mais forte, porém, aparece de uma forma "camuflada". "É um preconceito mascarado. As pessoas não te dão emprego porque você é gay. Elas não dizem claramente, mas, é fácil notar isso", explica Lacerda.
O estudante de letras David Moura, 19, que também é homossexual, afirma que deixou de ser contratado para dar aula de inglês em uma instituição de ensino pelo fato de ser gay. Ele conta no áudio abaixo como aconteceu o caso:
De fato, muitos universitários compartilham da ideia de que existem cursos que têm um número maior de homossexuais declarados. Boa parte das opiniões gira em torno de qualificações ligadas a artes, como dança e teatro, e até mesmo a graduação de letras.
Para o estudante de letras e professor, Eduardo Duarte, 22, de fato existem cursos tachados de graduação para homossexual. "Os homossexuais, por serem mais reprimidos no passado, procuram se mostrar de alguma forma. Os cursos mais direcionados para arte dão essa possibilidade a eles. Aconteceu com amigos meus, na sala de professores - caso relacionado a estudantes de letras -, na hora de uma conversa, os professores de letras acabam sendo excluídos. Os heteros das outras matérias sempre excluem os professores de letras", comenta Duarte.
De acordo com a coordenadora do curso de dança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Maria Claudia Alves Guimarães, apesar de muitos alunos afirmarem que determinadas graduações são para gays, não existe "curso de gay". "A dança, por exemplo, não requer que você seja gay. Nos cursos de artes você não estimula a sexualidade, mas, em geral, as pessoas têm a mente mais aberta. Não cabe discriminação", explica Maria Claudia.
Sobre os comentários que apontam cursos de artes com um número maior de homossexuais, a coordenadora acredita que não existe uma presença maior, mas, nessas graduações "você não precisa se esconder". Porém, ela frisa que é perceptível um preconceito generalizado contra cursos ligados à arte. "A gente percebe o preconceito. É um preconceito geral. Na universidade, percebo que nosso curso é desvalorizado, como por exemplo no repasse de verbas. As pessoas têm que entender que arte é sensibilidade. A arte tem um poder de transformação", frisa.
O personagem Edson, que abriu esta reportagem, namora com um estudante de direito. O rapaz, que é 20 anos mais velho que Edson, não quis ter a identidade revelada. Segundo ele, no curso de direito existe um embate maior para os alunos homossexuais se mostrarem como tal. "É uma profissão que as pessoas escondem a sexualidade. Para alguns, um advogado gay não fica bem. Eu não concordo com essa ideia, porque todo mundo tem o direito de ser o que quiser e as pessoas precisam respeitar o ser humano", opina o namorado de Edson.
Ao lado do "marido", como ele chama de forma carinhosa o futuro dançarino, ele conta que seus amigos de turma não sabem que ele é gay. Porém, ele acredita que explicitar a sexualidade não é algo que deve ser feito de forma obrigatória em uma graduação. "Você não precisa dizer que é heterossexual. Eu também não sou obrigado a dizer que sou gay. Se meus amigos souberem, não terei problema algum", conta o estudante de direito. O rapaz atualmente trabalha em um escritório de advocacia e no ambiente de trabalho todos sabem que ele é gay. "Apesar de ser na área jurídica, não tenho problemas com meus amigos de trabalho e nem com clientes", completa.
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